MASSACRE EM ORLANDO: SANGUE E MORTE NO REINO DA MAGIA



Recebi com muita tristeza a notícia do ataque ocorrido em Orlando, Flórida, que ceifou a vida de cerca de cinquenta pessoas, deixando outras cinquenta e três feridas, algumas em estado crítico. Morei com minha família por duas vezes na região metropolitana de Orlando e lá deixei muitos amigos, tanto brasileiros, quanto hispanos e americanos. Uma região caracterizada por sua aura de magia definitivamente não combina com o terror.

Um jovem americano cuja família teria origem afegã teria sido o responsável pelo maior massacre ocorrido em solo americano desde o fatídico 11 de setembro, e o pior tiroteio em massa da história dos EUA. Omar Saddiqui Mateen de 29 anos abriu fogo dentro de uma boate voltada para o público LGBT, no momento em que acontecia uma festa latina. O agressor morreu durante intensa troca de tiros com a polícia.

O FBI assumiu a investigação do caso por considerá-lo um possível ataque terrorista, já que, segundo a agência, o rapaz teria jurado lealdade ao Estado Islâmico.

Um dia antes, Orlando já havia sido cenário da morte da cantora Christina Grimmie de apenas 20 anos, assassinada logo após seu show por tiros disparados por Kevin James Loibl de 27 anos.

Orlando é um dos maiores centros turísticos do mundo, atraindo para os seus parques temáticos milhares de visitantes todos os dias, em sua maioria, crianças e adolescentes. Pode-se dizer que é uma cidade pacífica, cujos moradores estão acostumados a acolher pessoas oriundas das mais diversas culturas e etnias.

Durante o tempo em que lá moramos, houve um tiroteio envolvendo um aluno que estudava na mesma High School dos meus filhos em Lake Mary (era colega de classe de um deles). O adolescente matou seus próprios pais dentro da casa num condomínio em frente à escola. A cidade ficou em choque. Foi assunto nos telejornais por vários dias. Posso imaginar o choque que o assassinato da cantora seguido do massacre na boate LGBT não deve estar causando.

Aquela região é uma das que mais concentram imigrantes brasileiros nos EUA. Como se tratava de um evento dedicado ao público latino, muitos ficaram preocupados de terem familiares ou amigos na boate. O Itamaraty informou que até agora não há registro de brasileiros entre as vítimas.

É de se esperar que o caso seja explorado politicamente por ambos os candidatos à presidência dos EUA. Donald Trump poderá se aproveitar da situação para reafirmar sua posição contrária à imigração, principalmente de pessoas oriundas de países islâmicos. Seu discurso de ódio e segregação poderá encontrar ainda mais aceitação numa sociedade sacudida por esta tragédia. Hillary Clinton, por sua vez, poderá apelar para o fato de que o atentado teve como alvo uma minoria (LGBT) e ainda por cima, reafirmar sua posição contrária ao armamento da população.

Não é hora de buscar apontar mocinhos e bandidos. Se insistirmos nisso, retroalimentaremos o ciclo do ódio e do preconceito.

Lembro-me perfeitamente de como era difícil ser um bom muçulmano durante o tempo que se seguiu ao ataque às torres gêmeas. Qualquer pessoa de turbante era vista como um terrorista em potencial. Nem as crianças muçulmanas eram poupadas do olhar preconceituoso de seus colegas. Infelizmente, o episódio de hoje vai reacender a velha chama do preconceito.

Numa entrevista cedida à NBC, o pai de Omar comentou já ter presenciado comportamentos de repúdio do rapaz diante de casais homossexuais. Portanto, trata-se de um crime de homofobia, ainda que se prove que tenha sido um atentado encomendado pelo Estado Islâmico. As vítimas desta atrocidade podem ser computadas na conta do fundamentalismo religioso. Ele poderia ter aberto fogo na saída de um parque qualquer (já que para entrar num deles, teria que passar por um detector de metais), ou num resort luxuoso ou num dos hotéis da International Drive. Em vez disso, escolheu uma balada gay. A munição fartamente usada por sua AR-15 não era tão letal quanto o discurso extremista do qual seu coração estava munido. O que separa uma alma armada de mãos armadas é um empurrãozinho. E todo fundamentalismo, independente de que matiz religioso seja, eventualmente poderá provocar embates desta natureza. O discurso arma a alma muito antes que a vítima esteja na mira.

Se de fato foi um atentado, a mensagem está clara. Antes atingiram o centro nevrálgico do capital, o coração da Big Apple. Desta vez, atingiram a cidade símbolo da fantasia americana, escolhendo justamente um lugar onde a moral fundamentalista é desafiada.
Não será o fundamentalismo cristão que poderá fazer frente a esta tsunami fundamentalista islâmica. Fogo não se combate com fogo. Somente um discurso baseado no amor interromperá este ciclo nefasto de ódio, impedindo que nos aniquilemos mutuamente.

P.S.: Aos que culpam o islamismo pelo massacre em Orlando, não custa relembrá-los de que em julho de 2011, na Noruega, atentados perpetrados por um homem branco norueguês, cristão fundamentalista, ativista de extrema-direita, resultaram na morte de pelo menos 76 jovens integrantes do partido trabalhista. Tanto o atentado de Orlando, quanto o da Noruega, bem como o de Paris em 2015 e os da Bélgica em 2016 têm algo em comum: o crescimento enorme da intolerância, muitas vezes patrocinada pelo radicalismo religioso (não importa se cristão ou islâmico), que por sua vez, bebe das turvas fontes do fundamentalismo. A reportagem do Fantástico deste domingo afirmou que os EUA têm sofrido cerca de cinco ataques a tiros em massa por semana só neste ano. Façam a conta! Quantos desses ataques foram perpetrados por supostos discípulos de Maomé? E quanto foram perpetrados por supostos seguidores de Cristo? Portanto, independe de credo. O problema é o ódio disseminado por um discurso ora travestido de piedade religiosa, ora disfarçado de ideologia política. Não será jogando gasolina que apagaremos as labaredas da intolerância. Quando reconhecermos em nós as vicissitudes que facilmente apontamos em nossos desafetos, estaremos a um passo da reconciliação. Aprenderemos a amá-los quando desenvolvermos a habilidade de vermos-nos neles ao mesmo tempo em que pudermos vê-los em nós.

Pelo amor de Deus! Chega deste papo de que o massacre ocorrido em Orlando foi de autoria muçulmana, e que, portanto, nos isenta como cristãos, e ainda evidencia quem são os verdadeiros homofóbicos. Fica a impressão indigesta de que muitos cristãos estejam curtindo o momento, como se o nosso fundamentalismo não fosse tão nocivo quanto o deles. Sinceramente, para cada muçulmano extremista ‘xiita’, há um crente ‘chaato’, soberbo, apático, desprovido de compaixão. O fato é que tanto muçulmanos, quanto homossexuais são vítimas do nosso próprio preconceito. Pode até ser que não atiremos homossexuais de cima de edifícios como faz o Estado Islâmico, nem entremos em boates gays atirando a esmo. Mas nosso discurso não difere muito daquele que arma suas almas de ódio e preconceito. Em vez de demonstrar alguma misericórdia para com as vítimas, preferimos aproveitar a situação para reforçar nossa rivalidade com o mundo islâmico. Não sei o que é pior: nossa apatia ante à morte de cinquenta inocentes (talvez por serem gays), ou nosso ódio velado pelos seguidores de Maomé. Deveríamos, antes, buscar acolher ambos os grupos, sem julgá-los, nem discriminá-los. 
Só o amor apaga este incêndio.

Pr. Hermes C. Fernandes.


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